Dia da Sustentabilidade. Os debates que levam à mudança

“Visões do Futuro” no 1º Dia Nacional da Sustentabilidade.

Visões do Futuro - Sustentabilidade

Alimentação, desperdício, empresas, cidadãos, energia, água ou transportes. Todos estes temas se conjugam na sustentabilidade que se celebra, pela primeira vez, a 25 de setembro e que ficou marcada pelo evento “Visões do Futuro”, promovido pela Deco Proteste, que juntou no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, projetos e pessoas com vontade de fazer melhor. 

Num evento que se encheu de painéis com temas que vão desde o desperdício alimentar à gestão de recursos hídricos, o dia começou com uma mensagem de esperança, mas também de urgência nas ações, do Country Manager da Deco Proteste, João Ribeiro: “O futuro não começa amanhã, o futuro começa com aquilo que começamos a fazer hoje”. 

O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, lança uma questão: “Que país queremos ter?”, mas também lança as respostas. “Queremos uma economia descarbonizada que consiga crescer, queremos um pais soberano e que seja capaz de produzir energia acessível e renovável, queremos que a água seja poupada e usada com moderação, queremos afastar o uso de aterros e afirmar os princípios de economia circular”, refere, lembrando que Portugal está comprometido com a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Portugal é o primeiro país a celebrar o Dia da Sustentabilidade, e Duarte Cordeiro reforça a ideia de que o caminho não está assegurado. “Este dia afirma a exigência do envolvimento de toda a comunidade para atingir os objetivos”.

A sustentabilidade é uma urgência

Francisco Ferreira, presidente da associação Zero, dá à plateia um banho de realidade. “Se todos vivêssemos como os portugueses precisaríamos de três planetas”, começa por dizer o responsável. E destaca o setor da mobilidade: as emissões no setor dos transportes entre o pré pandemia e agora subiram em 6%. “Estamos a apoiar os transportes públicos, mas as pessoas estão a andar mais de carro”, conclui. Daí que uma das suas sugestões para um futuro mais sustentável seja a criação de um passe para quem o queira usar apenas uns dias por semana, tendo em conta a quantidade de pessoas que está parcialmente em teletrabalho. “Também defendo a gratuitidade do passe durante, por exemplo, dez anos para quem abatesse um carro”, refere.

Ainda no mesmo painel, sobre uma diferente temática — mas que no fundo vivem interligadas — Alexandra Serra, Administradora Executiva da Águas de Portugal, fala de um “novo normal”. Esse novo normal é feito de períodos de seca e de inundações, que exige que esta década seja de transformação na forma como se gere a água. “Os agentes económicos e a sociedade têm que trabalhar em conjunto nesta gestão, algo que já começa a acontecer nos territórios mais afetados pela seca estrutural”, refere.

Visões do Futuro - 1º Dia Nacional da Sustentabilidade
“Visões do Futuro” no 1º Dia Nacional da Sustentabilidade

Consumo e desperdício. Uma balança difícil de regular

Um evento sobre sustentabilidade não ficaria completo sem a temática do desperdício alimentar. Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar, dominou uma conversa na qual começa por deixar números impactantes: “Todos os dias distribuímos 40 toneladas de comida, das quais 80% iam para o lixo”.

Referindo-se ao setor empresarial, a responsável lembra o equilíbrio difícil que uma empresa tem que ter entre o não produzir demasiado e o não faltar em caso de procura. No entanto, Isabel Jonet confirma os números já conhecidos e que dizem que o maior desperdício alimentar acontece em casa, mas como é em pouca quantidade, as pessoas não têm essa noção. “Temos que mudar o olhar que, durante muitos anos, considerava que os recursos eram para sempre. Não são”, diz a responsável.

A representar a restauração, outro setor que tem em mãos a responsabilidade de evitar o desperdício, o chef Kiko Martins dá um exemplo prático, mas que reflete tudo o que pode mudar. “Agora, vamos a um restaurante, e é normal servirem-nos casca de batata com um molho. É até cool. Há vinte anos, isso não acontecia e é a prova de que temos que mudar a forma como olhamos para o alimento”.

Seja na alimentação ou em qualquer outro setor ligado ao consumo, o marketing faz a diferença. Aliás, Duarte Roquette, marketeer, acredita que o marketing, enquanto processo que dá resposta a uma necessidade, é o impulsionador da mudança. “Hoje em dia, é difícil lançar um produto para o mercado que não tenha algo ligado à sustentabilidade. Aquilo que começou por ser uma preocupação de um nicho, passou a ser uma moda, que passou a ser uma preocupação real”, acrescenta.

Essa preocupação vê-se efetivamente na mudança que aconteceu em algumas marcas, tal como lembra Susana Santos, diretora de comunicação do El Corte Inglés, que recorda que há vinte anos, havia marcas cujo trabalho passava por convencer o consumidor de que a decoração da casa devia ser mudada todos os anos e de que as peças de roupa não foram feitas para serem usadas mais do que dez vezes. “Isso seria impensável hoje em dia e essas marcas viram-se obrigadas a mudar”, refere.

Uma guerra insustentável

No último painel do dia, Ucrânia e Rússia estiveram em cima da mesa, numa análise que vai muito além da política.

Aline Hall Beuvink, historiadora e professora universitária, lembra que esta guerra começou com o mundo a achar que a Ucrânia não tinha hipótese. “De repente, percebemos que esta é uma luta entre David e Golias”. Para Aline, “a garra dos ucranianos” vem de saberem que se não a tiverem, vão perder a independência, mas também a própria vida. E os impactos serão globais. “Será o fim do mundo como o conhecemos”, garante.

As consequências desta guerra são reais e Miguel Morgado lembra que até mesmo países como a Alemanha, que sempre tiveram uma economia exemplar para o resto da Europa, estão a sofrer com o impacto. E há uma razão: a dependência energética: “A indústria automóvel sempre foi a menina dos olhos da economia alemã e não parece estar a fazer face ao crescimento do setor dos carros elétricos”, salienta o professor universitário.

José Aramburu Delgado, CEO da Cepsa Portuguesa, também presente na conversa, lembra que esta guerra veio lembrar a importância de diminuir a dependência de terceiros, no que diz respeito à energia. Além disso, acredita que esta cadeia energética diz respeito a todos, desde quem produz até quem consome. “Enquanto empresa, posso oferecer mais energia elétrica do que energia fóssil, mas é preciso que o consumidor esteja interessado nesta mudança. É nosso dever ajudá-lo nessa transição”. 

O evento terminou com a assinatura de protocolo entre a Deco e a Sociedade Ponto Verde para o desenvolvimento de um estudo que vai analisar, junto dos consumidores, a perceção sobre temas como os resíduos, a reciclagem, as taxas pagas e, ao mesmo tempo, perceber as dificuldades sentidas durante esses processos.

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