De acordo com dados de 101 países reportados à Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD, sigla em inglês), são quase 2 mil milhões as pessoas que enfrentam as consequências da seca global. Cerca de 5% está mesmo exposta de forma extrema ou severa.
O relatório mais recente da UNCCD sobre o problema global da falta de água sublinha ainda que 85% das pessoas afetadas pelas secas vivem em países de baixo ou médio rendimento.
Com base nestas evidências, a seca foi já apontada com uma possível nova pandemia, cujos danos se observam de forma “silenciosa” ao longo dos anos. As consequências são no entanto devastadoras e estão por detrás de problemas globais como a inflação dos preços, fome, migrações ou extinção de espécies.
Ao contrário de outras catástrofes que atraem a atenção dos meios de comunicação social, as secas ocorrem em silêncio, muitas vezes passando despercebidas e não provocando uma resposta pública e política imediata. Esta devastação silenciosa perpetua um ciclo de negligência, deixando as populações afetadas a suportar o fardo isoladamente.
Ibrahim Thiaw, secretário executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação
Consequências da seca por todo o mundo
Estes são alguns dos números alarmantes do Global Drought Drought Snapshot Snapshot (2023), da UNCCD:
#África
No final 2022, a corrente seca no nordeste africano, o designado “Corno da África”, deixou aproximadamente 23 milhões de pessoas em grave contexto de insegurança alimentar.
A África do Sul perdeu 33% das suas pastagens devido à seca.
#América Central
Expostos a ondas de calor e chuvas imprevisíveis, os ecossistemas e os povos do Corredor Seco da América Central enfrentaram o seu quinto ano de seca, que deixou 1,2 milhões de pessoas na região com necessidade de apoio alimentar.
#América do sul
Há 78 anos que as condições de seca não eram tão severas na bacia do Brasil-Argentina como em 2022. A produção agrícola reduziu, afetando os mercados agrícolas globais.
A seca na Amazónia brasileira tornou a água potável escassa e paralisou o tráfego fluvial crítico devido aos níveis de água extremamente baixos.
A floresta tropical saudável da Amazónia tem enfrentado períodos de calor e seca que matam árvores e alimentam incêndios florestais naquele território, tantas vezes apelidado de “pulmão do mundo” pela sua importância enquanto sequestrador de carbono.
A produção de soja da Argentina caiu cerca de 44% em 2023, em relação aos últimos cinco anos. Foi a safra mais baixa desde 1988/89, contribuindo para uma queda estimada de 3% no PIB do país em 2023.
#Ásia
Até ao final do século, a duração das secas moderadas, severas e excepcionais em algumas regiões da China duplicará e a intensidade da seca aumentará mais de 80%.
Também na China, níveis baixos sem precedentes da água do rio Yangtze, devido à seca e calor prolongado, está a afetar 5 milhões de pessoas.
#Mediterrâneo
Entre 2016 e 2018, 70% das produções de cereais no Mediterrâneo foram danificadas pela seca.
#Europa
2022 foi o verão mais quente e o segundo ano mais quente já registado. Há 500 anos que a Europa não passava por uma seca tão grave.
No verão do mesmo ano, registaram-se baixos níveis de água no rio Reno, o que causou graves atrasos nas chegadas e partidas de navios. Alguns navios foram forçados a navegar com cargas com apenas 25% da capacidade. (Recorde-se que o Reno representa uma via navegável vital para o comércio e transporte de mercadorias na Europa Central).
A situação de seca afetou também uma extensão de 630.000 km2 (aproximadamente a área combinada da Itália e da Polónia), quatro vezes a média do impacto entre 2000 e 2022.
Durante esses dois anos, a área anual impactada das terras agrícolas da UE foi de cerca de 73.000 km2 (cerca de 5% do total das terras agrícolas), contribuindo para o fracasso das colheitas.
Em 2023, o impacto médio anual da seca nos prados da Europa foi de cerca de 20.000 km2 (cerca de 5% dos prados), o equivalente à área da Eslovénia.
#Península Ibérica
A capacidade de gerar energia hidroelétrica em Espanha, onde representa mais de 11% do total de energia produzida no país, estava em níveis “muito baixos” em 2022.
Também em Portugal, segundo a Associação Portuguesa do Ambiente, 2023 foi o “pior de sempre” em termos de seca no Algarve, com 5 albufeiras a registarem um armazenamento inferior a 20%. O que obrigou à adoção de um plano de racionamento de água na região.
Medidas europeias
Espera-se que 100 cidades na UE atinjam a neutralidade carbónicas até 2030. No entanto, “o programa político que seguem centra-se demasiado em soluções tecnológicas. As soluções com base na natureza têm o potencial de reduzir as emissões de dióxido de carbono em até 25%”. Esta é uma das conclusões do Global Drought Drought Snapshot Snapshot (2023).
O relatório explica também que os países da UE estão a trabalhar numa lei de restauração da natureza, que visa devolver à natureza e aos ecossistemas boas condições de conservação. As regras exigem que os estados-membros implementem medidas de restauração eficazes para cobrir pelo menos 20% das áreas terrestres e marítimas da UE até 2030. Até 2050, deverão ser implementadas medidas para todos os ecossistemas que necessitam de restauração.
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