Para quando menos carros em Lisboa?

É a pergunta que se impõe quando o assunto é a sustentabilidade nos espaços urbanos.

Menos carros em Lisboa

É a pergunta que se impõe quando o assunto é a sustentabilidade nos espaços urbanos. Sobretudo em Portugal, onde o setor automóvel é o principal responsável pelas emissões de gases com efeito de estufa. Representa “cerca de 30%” de todas as emissões, aponta Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista ZERO, na abertura do evento que reuniu, no dia 15 de novembro, diferentes especialistas em torno da discussão sobre soluções para combater aquele que é um dos maiores problemas ambientais e de saúde pública de Lisboa: o excesso de automóveis. Para quando menos carros em Lisboa?

A capital portuguesa, juntamente com Porto e Guimarães, é uma das 100 cidades europeias que assumiu o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2030, através da iniciativa Cities Mission – “Cidades Inteligentes e com um Impacto Neutro no Clima”. Mas então o que está a ser feito? O que defendem associações, decisores políticos e empresas para atingir a meta climática nos próximos seis anos?

Fique a conhecer algumas das ideias apresentadas durante o evento, organizado numa parceria entre a ZERO e o Jornal Público.

#Desafios e oportunidades

“É fundamental criar mais corredores exclusivos para autocarros para que a velocidade comercial dos mesmo seja mais competitiva, em relação aos automóveis, não ficando presos no trânsito. Algo relativamente rápido e barato seria a criação destes corredores em vias como a A5 ou a segunda circular, por exemplo”.

Mário Rui, jornalista e editor do Lisboa Para Pessoas, jornal online dedicado a Lisboa e às pessoas que vivem na área metropolitana da capital

“O direito à cidade envolve não só o direito à habitação mas todo o ambiente envolvente – social, físico, urbano. E a questão da mobilidade e dos transportes tem um peso fundamental. Porque pesa na forma como nos deslocamos no nosso dia-a-dia e tem impactos atmosféricos, sonoros e em matéria de espaço. O automóvel, desde a sua produção, distribuição, circulação e estacionamento, ocupa um um espaço que é público. A questão da privatização deste espaço (…) é uma questão importante numa cidade que é densa, que cada vez recebe mais procura residencial e recebe dez vezes o seu peso demográfico em visitantes. Portanto, é uma questão muito cara”. 

Luís Mendes, ativista representante do movimento cívico Morar em Lisboa e professor no IGOT da ULisboa

“Continuamos com uma mobilidade e sistema urbano altamente dependente do transporte individual. Até mais dependente, diria, olhando para as últimas estatísticas. E a pegada ambiental desse setor não está a reduzir, mesmo com as oportunidades que surgiram nos últimos tempos – eletrificação, descarbonização e mobilidade partilhada. Estas pouco podem contribuir para melhor combater estes desafios, se não houver um enquadramento institucional regulatório que as integre num sistema de mobilidade. Por isso, este é um desafio político. 

Claro que medidas combinadas são sempre mais eficazes, mas o ranking das medidas mais eficazes, segundo a literatura disponível, passa por:

  • políticas de tarifação a tráfego urbano, portagens urbanas;
  • políticas de condicionamento do trânsito, como as Zonas de emissões reduzidas;
  • políticas de gestão de estacionamento e de espaço público

Todas estas medidas dependem do poder local e nenhuma delas é popular entre políticos. (…) Sabemos também que quem usa o automóvel tem uma elasticidade muito reduzida em relação à mudança, então estas tarifas acabam por não ser medidas muito eficazes para fazer com que os condutores troquem o automóvel para modo coletivo. Será mais eficaz investir, por exemplo, na oferta”. 

Patrícia Melo, professora associada no Departamento de Economia do ISEG da ULisboa

“Quero trazer aqui um outro ângulo: estamos melhor do que estávamos há uns anos e temos que fazer essa catarse coletiva de perceber onde estávamos, como evoluímos e para onde queremos ir. (…) Lisboa não está apenas dependente de si própria, depende também dos 17 municípios à sua volta. Estamos a falar de dois milhões de pessoas na Área Metropolitana de Lisboa. E só resolvemos o problema de mobilidade com a aposta em transportes de grande escala. (…) Atualmente transportamos mais gente, de grosso modo. O sistema não tem mais receitas, porque tornou-se mais barato, mas tem mais gente. (…) Conseguimos atingir o objetivo da simplificação [de vários para um só titulo/pases] e uniformização tarifária. As pessoas que pagavam mais de 100 euros para se deslocarem para Lisboa hoje pagam 40. Isto é muito importante, tendo em conta os orçamentos das famílias”. 

Rui Lopo, administrador da Transportes Metropolitanos de Lisboa

#Estratégias e políticas para uma Lisboa sem carros

Neste momento estão a ser colocadas em prática medidas que privilegiam:

  • Mais autocarros nas ruas nos primeiros meses do próximo ano;
  • 15 novos elétricos ferroviários no início do ano para reforçar a oferta e dar corpo à expansão da linha de elétrico no eixo ribeirinho de Lisboa;
  • Em termos de autocarros, até 2027 serão investidos “170 milhões de euros” na renovação da frota – “este é o maior investimento alguma vez feito na frota da Carris”
  • Nos próximos meses, a Carris vai quadruplicar a frota de autocarros elétricos
  • Transporte escolar: está em curso um projeto-piloto de monitores para acompanhar crianças pelos transportes públicos até à escola, para que os pais não sintam necessidade de recorrer ao carro para o fazer e possam assim ir também eles de transportes públicos para o trabalho, O projeto está a ser desenvolvido em 16 escolas. “É também um projeto de formação de base dos futuros utilizadores da Carris”.
Maria Albuquerque, vice-presidente do conselho de administração Carris

“Seguindo o exemplo de outras cidades europeias que já estão mais à frente nas questões de mobilidade urbana elas têm objetivos definidos, caminhar e pedalar devem ser as prioridades nesta transição. A bicicleta é uma forma de quadruplicar o meu alcance sem fazer grande investimento no meu veículo. É uma forma mais eficiente de caminhar. Andar a pé implica exercício e também maior segurança física, face a outros meios de transporte. Temos que otimizar o transporte no sentido de termos mais saúde”.

Ksenia Ashrafullina, representante movimento cívico Lisboa Possível

“Em termos de eficiência do uso de energia, o meio de transporte mais eficiente é a trotinete elétrica, seguida da bicicleta e depois andar a pé”.

Francisco Ferreira, presidente da associação ZERO e uma voz ativa na sensibilização para a sustentabilidade do planeta

“A ciclovia é neste momento uma das principais prioridades da Câmara Municipal de Lisboa. Temos implementados 170km de ciclovias e vamos chegar aos 245km até 2025. (…) Estamos a trabalhar para o controlo automático das matrículas na entrada das Zonas de Emissões Zero [zonas no centro da cidade onde automóveis mais poluentes estão interditos de circular] (…) e vamos avançar com um investimento das câmaras de CCTV, através de um protocolo com polícia para aumentar a segurança pública”.

Ana Raimundo, diretora de mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa

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